segunda-feira, agosto 29, 2005

Condição humana


Bato três vezes na porta
Não obtenho resposta
Não abro, vou-me embora
E sigo pelo corredor fora

Entro devagar na cozinha
Abro o frigorífico e espreito
Tiro o pacote do leite
Não tenho sede, volto a guardá-lo

Levo roupa de neva para lá
Quando chego está calor
Levo calções de banho para lá
Quando chego está frio

A vida é feita de sensações
Tais como o medo
Que nos faz perder
Aquilo que não temos

A vida é feita de indecisões
Pois nunca acertamos
E por isso vamos perder
Aquilo que não temos

A vida é feita de azar
Que o destino traçou
Por isso sempre perdemos
Aquilo que nunca teremos

O lugar da noite


Corro pelo prado da monotonia, onde me canso de cair
Navego num mar de emoções, que desconheço

Acordo soado, cansado, fraco, triste, usado
Levanto-me devagar mas caio de novo

Caio com a cabeça a arder num feno de desconforto

Um feno de palha suja e intragável para os animais


Falo com as estrelas, com a lua e com as nuvens

Compreendem-me e não respondem aos meus apelos

Espero pelo anjo da noite que me deixa dormir
Mas ele não chega e fico acordado, , acordado
Viro-me então na cama para o lado esquerdo
E vejo alguns amigos que desconheço

Viro-me para o lado direito e vejo-me a mim, um desconhecido


Fujo então para aquele local que só eu conheço

Aquele sitio que não sei onde fica e onde me sinto bem
Vou pela curva do arco-íris e revejo as minhas amigas brilhantes

Elas dizem-me adeus e fazem-me pensar em nada

E em nada penso o que nada sinto do que nada vivi
E ouvindo o silêncio dos meus pensamentos, fecho os olhos

Adormeço então rodeado de um vazio que me atormenta

Tentando sonhar o que nunca sonhei e queria viver

Sonho toda a minha vida e não sonho nada
Como uma estrada sem saída ou um caminho sem direcção
E os pesadelos que me perseguem de dia, materializam-se
Pois a noite sempre foi e sempre será a fuga mais fácil
E o dia é um inferno que nos castiga prontamente e sem piedade

Dou um passo depois do outro, e vou aprendendo a andar
Devagar para não cair, para não me magoar, para não sofrer
Mas chegada a noite, não fui muito longe com os meus passos
E penso se não seria melhor correr, para à noite mais depressa chegar
Talvez assim a calma e serena noite durasse mais tempo
E quem sabe, se correr rápido o suficiente e lá chegue para ficar
E eu possa, por fim, sonhar, descançar, e dormir eternamente.

quinta-feira, agosto 18, 2005

A vida na ponta dos Pés



Caminho com um pé descalço ao longo da calçada
Fujo das beatas, e dos presentes dos cães
Fujo das poças de água, que contêm mistérios
Procuro alcançar as partes secas, e humidas
Mas não muito quentes ou muito molhadas

Às vezes piso, sem queres uma poça mais arisca
E caio, num buraco sem fundo, e bato no fundo
E levanto-me de seguida, há procura das moedas que me caem da algibeira
Perdi 25 cêntimos, mas ganhei um sorriso
Daquela pessoa que me ajudou a levantar

E mesmo tendo um pé calçado, este não se suja
Pisa sempre o bom chão, enquanto o outro...
O outro pisa o frio, o quente, o molhado, o seco
E este está sempre limpo, arejado
E não quer saber do seu irmão, mas apenas de si

Fui andando então pela calçada, à procura de algo
Que não sei bem o que é, mas continuo a procurar
E talvez quando encontrar, não vou saber que encontrei
Pois tenho um pé em ferida, e outro são
Tenho um pé sofredor, e um outro vencedor

Qual dos meus dois pés se mais adapta a mim?
Serei eu um eterno sofredor, ou um promessor vencedor?
Deixarei esta pergunta ao vento, para que ele me traga uma resposta
Sei que não vai trazer, mas a esperança é a ultima a morrer
Embora eu ache que a minha já se foi, à muito.

sexta-feira, agosto 05, 2005

A escola


A minha homenagem

Eu nasci lá para os lados do rio
Passava os dias a jogar à bola
Mas eu não era excepção
E antes que desse por isso
Já estava na escola

O programa elementar
Entre o Euclides e o Arquimedes
Mas sempre que a informação
Dá uma volta no espaço
Eu quero sintonizar

A escola ainda não acabou
Há sempre tanta matéria a estudar
Que eu chego mesmo a ter medo
De em qualquer momento
Já não ter lugar
Já não ter lugar
Para mais conhecimento

Já consigo filosofar
Sei uma ou duas palavras em grego
Enquanto o tempo deixar
E a escola não se afundar
Vou alterando o meu ego

Vou deixando as moscas pairar
Vou vendo se o Godot já chegou
E quando me dá na tola
Dou um chuto na bola
Só para me aliviar

A escola ainda não acabou
Há sempre tanta matéria a estudar
Que eu chego mesmo a ter medo
De a qualquer momento
Já não ter lugar
Já não ter lugar
Para mais conhecimento

A escola ainda não acabou
Há sempre tanta matéria a estudar
Que eu chego mesmo a ter medo
De a qualquer momento
Já não ter lugar
Já não ter lugar
Para mais conhecimento
Mais conhecimento

Jorge Palma - O Bairro Do Amor