segunda-feira, outubro 31, 2005

Devaneios da alma

Como uma corda de guitarra desafinada, entoada num eco surdo na escuridão da noite. A história das pessoas caminha por entre pedras e chuva, vento e buracos. Todos querem a felicidade imediata, que se consegue com um capitalismo absurdo, de quem não quer sentir.
Os 5 amigos das pessoas são muitas vezes deixados de parte, e um sexto sentido é adicionado à lista, a gula pelo euro, pelo capital. E o que realmente move o mundo é colocado numa gaveta do sotão, onde ninguém entra e ninguém contempla a verdadeira essência do que é bom e bonito.
"Mais vale ser rico e com saúde do que pobre e doente". Esta é a frase do momento, uma hipocrisia desmedida, que rege todos os novos princípios da nossa nova vida.

Cada vez mais somos mais como os animais dos quais nos separámos à muitas eras atrás, cada vez mais actuamos por instinto, matando os mais fracos. Tal como os animais. Mas estes fazem-no para sobreviver, e não podem ser julgados por isso, também o fazemos de igual modo. Matamos para poder sobreviver. Mas o Homem encontrou uma nova forma de ir mais baixo, de descer, é sempre a descer. Os Homens matam-se uns aos outros, não para sobrevier, mas para enriquecer. Sou sincero quando penso, que não pertenço a este mundo, não sou nenhum assassino de almas, eu próprio sou uma alma, que quer sentir acima de tudo, e é para isso que cá estamos. Não é? Penso que sim...

Quero ser como um livro usado, sujo, velho, meio rasgado e sem capa. Quero ter em mim e transmitir a todos os que me lêem, sentimentos tais como, alegria, tristeza, medo, susto, paixão, amor, ódio, tudo, pois tudo isto somos nós, tudo isto nos caracteriza. Não quero ser um livro todo janota, todo pomposo, mas vazio por dentro. Como aqueles que os jogadores da bola escrevem. E se um livro é a alma do escritor, já se precebe tudo...



Aqui me despeço deste meu devaneio, deste meu desabafo sentido. Sinto-me muito mais aliviado. Obrigado por me ouvires, e espero que partilhes um pouco deste sentimento de contestação perante o mundo actual. Desejo-te apenas muitos carinhos daquela pessoa e muitas, mas muitas papas de leite.



lobito

quinta-feira, outubro 13, 2005

O Menino dos Sapatos e a Menina dos Sapatinhos


O menino caminhava por cima dos flocos de neve, sem os sapatos que sua mãe lhe tinha dado num natal anterior, pois já não lhe serviam, já atravessaram muitos invernos, muitas caminhadas para a escola, e já estavam velhos.

O menino chamava-se David, e tinha uma amiga, uma única amiga, chamada Clara. A Clara não era como o David, ela tinha sapatinhos e saias bonitas para vestir, o David não tinha sapatos, e as calças já não eram calças, e todos na escola gozavam com o David por ele ser diferente, todos menos a Clara.

A Clara via no David um menino sensível, terno e simpático, um menino bem disposto e com vontade de rir e de brincar, como qualquer criança normal, e o David via Clara como a sua única amiga, uma amiga em quem ele podia confiar para sempre, uma amiga em quem ele podia contar, para o bem e para o mal. Ele ia sempre ter com ela nos intervalos, e ela dizia às amigas: -“Agora não posso brincar com vocês, tenho de ir falar com o meu amigo”, elas não entendiam porquê que a Clara era amiga do David, ele estava sempre sujo e muito mal vestido e nunca trazia lanche, elas eram crianças que só vias a capa das pessoas, das outras crianças, mas Clara não era como elas, a Clara era diferente delas, ela via por dentro da casca.

Passado o inverno, recomeçam as aulas, Clara fica à porta da escola à espera de David, mas este não aparece, “estranho”, diz a Clara, “ele nunca se atrasa”. Passaram dois dias e Clara foi saber como estava David, e descobriu que o seu pai tinha ficado sem o emprego, e que tinha arranjado novo companheiro, a bebida.

Clara senta-se à porta da casa de David todos os dias após as aulas e fica ali, à espera de ver David sair pela porta, com o seu lindo sorriso nos lábios, mas os dias transformaram-se em semanas e nada de David. Clara desespera, e num dia a sua mãe preocupada, pergunta à filha o que se passava, e esta conta-lhe a história de David, e de como ele superava as bebedeiras do pai, os colegas que eram maus para ele na escola, e a pobreza em que vivia, só com um sorriso nos lábios. A mãe de Clara deixa verter uma lágrima, e a Clara diz: -“Mãe, não é assim que se superam os problemas, o David ensinou-me que é com um sorriso”, a mãe de Clara seca as lágrimas e sorri, abraça a sua filha e vai-se deitar feliz, feliz pela filha, mas triste com a história de David.

Passam dois meses e Clara estava no recreio, só, triste. Nisto parece David, com umas calças novas, com uns sapatinhos calçados, não parecia o mesmo, não fosse aquele sorriso, aquele sorriso que o imortalizou. Clara pula de contente, e corre na direcção de David para um abraço sentido.

Todos se interrogam o porquê daquela mudança, todos menos Clara que só se importa com o regresso do amigo.

lobito

domingo, outubro 02, 2005

Insónia



Deito-me. E fecho os olhos abertos todo o dia.Volto a abri-los. Volto a fechá-los durante um segundo.Abro o olho esquerdo. Mantenho o direito fechado.Troco. Troco outra vez e volto a trocar.Viro-me para o lado esquerdo. Para o lado direito.De barriga para o ar. Tapado. Destapado. Calor. Frio.Suspiro. E volto a suspirar. O sono não está a chegar.De barriga para baixo. Sem já poder respirar.Levanto-me da cama. Apanho ar fresco.Deito-me. Levanto-me novamente. Bebo água. Refresco as veias. Refresco a pele. Acendo um cigarro. Merda para o cigarro. Sempre o cigarro. Chaga de vício. Não me ajuda com o calor. Não me ajuda com a insónia. Acendo a televisão. Mudo de canal. Volto a mudar. Abro a janela. E volto a fechar. Volto-me a deitar, Para logo me levantar. Olho o relógio. 4 da manhã. Ou são 5? Não vejo muito bem. Não me sinto bem. Toco a viola. Não sei tocar. Não vou tocar. Desolado. Sem inspiração. Cansado e com sono. Volto para a cama vencido. Derrotado e...

Obviamente demitido...

lobito



A primeira prosa...

A dença conveniente
















Acordo tarde, já atrasado para onde vou
Arranjo-me o quanto posso e visto uma coisa qualquer
Pego nas minhas coisas, e parto desta casa
Saio pela porta e reparo que me esqueço de algo

Volto atrás e procuro o que me tinha esquecido
Não me lembro do que era, mas sei que era importante
Recapitulo então tudo o que preciso, inumero as coisas
Uma a uma vou numerando e n sei o que me falta

Tenho o telemóvel, para estar contactável
Tenho os documentos do carro, para estar legal
Tenho o tabaco, merda tinha de me lembrar do tabaco
Tenho os óculos escuros, para ver ao sol
Tenho as chaves de casa, para poder voltar
Tenho-te a ti no pensamento, para me alegrar

Ao revistar o meu quarto e toda a casa de alto a baixo
Reparo que afinal não me falta nada, ou nada em especial
Sento-me no chão para me tentar lembrar
Reparo naquilo que vou fazer e daquilo que possa precisar

Tenho tudo aparentemente, não sei o que me falta
Desfaço a cama, atiro almofadas pela janela
Abro gavetas, fecho armários, desdobro e volto a dobrar
Procuro não sei bem porquê, mas procuro sem parar

Tenho alzhaimer,um alzhaimer de conveniência
Pois sá me faltavas tu, e não me queria lembrar
Lembro-me daquilo que me faz sorrir
E esqueço-me daquilo que me faz chorar

Lembrei-me de ti para te pensar
Mas esqueci que não te podia levar.


lobito